terça-feira, março 22, 2022

trezentos e sessenta e cinco dias sem Ela


Em uma manhã úmida de março, no auge da pandemia do COVID-19, fui surpreendida pela notícia de que Ela havia falecido na noite anterior. Aquele momento já era esperado, mas nunca foi querido.

Mesmo com todas as medidas restritivas para acompanhar o velório e o enterro, o aumento da contaminação do vírus, sabia que deveria estar presente. Era nosso último suspiro, juntas.

A primeira vez que a vi, logo após o meu nascimento, ela já tinha 58 anos de idade. Já era avó, eu era a neta número “3”. Convivemos juntas os outros 42 anos que se seguiram, em especial três anos e meio, os quais moramos no mesmo apartamento.

Como toda sagitariana, a vó "Dith" era uma mulher de personalidade forte, gostava de determinar os rumos de todos na família e, quando tinha oportunidade, mimava incondicionalmente os netos. Meu avô, seu marido de toda a vida, era apaixonado por ela.

Em 22 de março de 2021 Ela se foi com 101 anos de idade. Dizia que viveria até os 120, eu acreditava. Mesmo com alguns problemas de saúde, ela continuava firme. Mesmo com uma crise familiar que se gerou anos antes de falecer, ela continuava forte.

Dotada de um talento para observar e identificar as pessoas ao seu redor, a pandemia lhe tirou o último ano de vida, quando ficou privada da convivência com os bisnetos, em especial com a chegada da última bisneta, da qual ela se emocionava por se chamar “Maria”.

Todos os minutos com ela eram intensos. Tivemos muitos momentos juntas, alguns inusitados e engraçados, outros tristes e desconfortáveis. Ela era uma apoiadora dos estudos, dos tratamentos dentários, das viagens, dos romances, mas queria saber tudo “tintim por tintim”.

Saudades das nossas tardes de sábado ou domingo. 

Das nossas conversas, das nossas confidências. 

Das palavras cruzadas. 

Das nossas gargalhadas. 

Da gente, juntas.

em uma tarde de setembro de 2009

sexta-feira, novembro 29, 2019

Edith faz 100


Nunca imaginei que esse dia iria de fato chegar. O dia em que conheceria, de perto, uma pessoa com cem anos de idade.
Ela nasceu em 1919, no distrito de Bojuru, no interior de São José do Norte, no Rio Grande do Sul. Já tinha uma irmã, chamada Maria. Vinte anos depois nasceu um irmão, chamado Rosalvo.
Ela nasceu e a televisão ainda não tinha sido inventada. Novela e notícias eram só no rádio. Nada de computadores, telefones ou celulares – isso era coisa futurística, nem pensada. Correspondência era por carta – nada de email, ou por conversa olho no olho entre amigos e conhecidos.
Passou por um trilhão de momentos, bons e ruins, vestiu-se das cores das inúmeras tendências de moda, viajou por diversos lugares, fez centenas de amigos.
Ela se casou e teve um filho e uma filha. Na sequência, teve seis netos. Hoje tem quatro bisnetos.
O marido já se foi há mais de 12 anos, mas continua presente na memória dela todos os dias.
Não tenho ideia do que se passa na cabeça dela ao imaginar tudo o que viveu na infância, adolescência, juventude, vida adulta e na fase idosa.
Só sei que há mais de quarenta anos faço parte da vida dela. Há mais de quarenta anos ela faz parte da minha vida.
E no meio de tantos quilômetros rodados, ainda há sanidade, ainda há lembrança, ainda há esperança.
Mesmo com algumas tristezas no final da vida, ela sempre me diz: “vivi uma vida feliz. Amei e fui amada. Tem coisa melhor?”
Edith faz 100.
O que se pode desejar a alguém que completa cem anos de existência?
Só sei que amo muito a minha véinha
Bom fim de vida, minha vó!



quinta-feira, agosto 21, 2014

Treze semanas com Ele

Muito ouvi falar quando estava grávida: “quando nasce um bebê, nasce uma mãe...”;“é o verdadeiro amor incondicional...”; “é maravilhoso ter um filho...”; blá blá blá...

Não se iludam, minhas queridas.
Quando nasce um bebê, as cores da vida mudam de tonalidade.

As ruas, embora continuem as mesmas de antes, se transformam em caminhos desconhecidos e incertos. Já não sabemos se estamos acordadas ou se estamos dormindo, como em um sonho interminável. Os músculos, cansados e por vezes incansáveis, atingem seu ápice de existência, a fim de que fique bem claro que somos meros mortais. O surgimento de uma nova vida requer mais VIDA.

Ninguém, mas ninguém comenta os detalhes dessa nova fase. Apenas ouvimos: “é cansativo, mas recompensador”. E pesquisas apontam que 90% das mulheres mentem quando dizem que está tudo bem nos primeiros meses, quando na verdade não está. Por mais que se leia milhões de livros, se faça milhões de cursos, apenas milhões de práticas é que vão te dar alguma segurança.

O Gabriel veio assim, sem hora marcada, às 2h30min do dia 16.05.2014, após a minha chegada às 23h30min no hospital, sem qualquer glamour (a bolsa já havia estourado em casa e estava literalmente com uma toalha enrolada nas pernas). Sem cabeleireiro, sem maquiagem e sem filmagem hollywoodiana o guri veio ao mundo de parto normal, pesando 3.400gr e medindo 50,5cm.

Foi uma experiência única e fantástica. Mas não desceram do céu coraçõezinhos vermelhos que enfeitariam o momento ao som de uma música emocionante. Não. Foi ao som de um tímido choro e das vozes da equipe médica que uma extensão de mim, totalmente desconhecia, ganhava vida fora da barriga. Era um serzinho todo enrugadinho, assustado e com frio, que apontava no canto da sala e que veio parar no meu peito.

E foi a partir desse momento que a loucura toda começou.
Não posso me queixar do parto, foi tudo muito rápido, tranquilo e sem dor, sendo que seis horas depois eu já estava tomando um banho, recarregando as energias e me preparando para a minha nova profissão.

Mas a realidade é nua e crua: o primeiro mês é um massacre.
O corpo está se recuperando de um furacão de hormônios e temos que ter paciência para aprender a amamentar, trocar fralda, vestir e dar banho, isso tudo ficando horas sem dormir direito. Sem contar quando o bebê é sensível e chora muito ao ficar sem roupa na hora da troca de fralda e do banho.

Depois, começam os movimentos intestinais do bebê, ou as famosas “cólicas”, o choro intermitente e angustiante, que faz qualquer mulher pensar por qual motivo mesmo tinha engravidado, suplicando sua vida de antes de volta. Veja bem: inexiste amor incondicional, borboletas ou trilha sonora romântica. E é um luxo quando conseguimos tomar um banho mais demorado e fazer as unhas. Há também quem sofra com a amamentação, quem não tenha leite ou que fique baby blues (que tem depressão pós-parto).

Mas atenção, isso não quer dizer que tu deixas de gostar mais ou menos daquele serzinho, tão carente de amor e cuidados. Só que no início não é essa delícia toda. O peso da responsabilidade pertence unicamente a ti. Às vezes algumas mães têm sorte, possuem um bebê anjo, outras possuem um bebê enérgico ou sensível demais.

Verdade seja dita: não é fácil cuidar de um recém-nascido, e depois que constatei isso na pele, passei a admirar muito mais as minhas amigas que são mães solteiras. E também passei a admirar a minha mãe, a minha sogra e as minhas tias, que naquela época por mais maridos que possuíssem, os mesmos não pegavam nem os filhos no colo. Um bom pai (e marido) é aquele que participa de igual pra igual, sem fugir da raia. E confesso: tive muitas saudades da minha vida antes do Gabriel e das minhas oito horas de sono.

Mas é a prática quem te ensina. Mesmo assim, compramos dois livros na segunda semana de vida do Gabriel, quando a choradeira começou e a gente ficou meio assim, sem ter a menor noção do que fazer, a não ser ligar pra pediatra. Os livros são de autoria de TRACY HOGG, a famosa “Encantadora de Bebês”, um de capa azul - “Os segredos de uma Encantadora de Bebês”-, e o outro de capa rosa - “A Encantadora de Bebês resolve todos os seus problemas”.

Pra mim foram a salvação da pátria. Passamos a observar o pequeno Gabriel quando estava mamando, quando estava trocando fralda, tomando banho, fazendo alguma atividade e dormindo, e mapeamos as crises de choro. Se era fome, sono, desconforto, gases, etc. A Encantadora estabelece uma rotina para o bebê, a qual chama de EASY, para que ele se sinta seguro e para que a supermãe possa descansar, tomar um banho, fazer as refeições e, porque não, namorar.

E quando estamos a ponto de pular pela janela feito loucas, entra o segundo mês. As olheiras já se incorporaram ao teu olhar, o corpo já se acostumou a carregar peso e a manejar o bebê. Aprendemos a fechar os ouvidos na hora da choradeira e a ter uma paciência nunca antes vista na vida. São os instintos de mãe aflorando dia a dia.

E um belo dia, o bebê que mau te enxergava e apenas sentia o teu cheiro e reconhecia a tua voz passa a te olhar nos olhos e a sorrir. Sim, sorrir. E começa a emitir sons engraçadinhos como quem estabelece uma conversa gostosa até surgirem gritinhos felizes.

Aqui esquecemos toda a trabalheira do primeiro mês, porque há um retorno de todo aquele cuidado e atenção, há uma relação mais íntima, mais profunda, naturalmente mágica. E o cheiro do bebê... ah, o cheiro do bebê, é viciante. E nesse mês eu entendi porque 99% das mães com quem eu conversei não se lembram de ter passado tanto trabalho, a ponto de já terem tido mais filhos.

Entra o terceiro mês e já estamos mais no “piloto automático”. Já conhecemos as curvas da estrada, as intempéries e já somos capazes de identificar o que está incomodando os nossos pequenos, a ponto de sorrirmos enquanto eles choram. As coisas começam a se organizar e a fluir com mais segurança, e não é que a gente esquece mesmo o primeiro mês e já passa a planejar o segundo filho, pois não tem como não se derreter a um amor correspondido. Nada bate a sensação de uma mãe poder nutrir o seu próprio filho e vê-lo se desenvolver feliz.

Mas é preciso coragem, paciência e perseverança.

É um caminho sem volta e que pode ter vários sabores: vai da loucura do caos ao verdadeiro mistério do amor de uma mãe por um filho, e vice-versa.


terça-feira, maio 13, 2014

A vida em semanas

Eu nunca imaginei que estabeleceria alguma ligação com a contagem do tempo em semanas, até ficar grávida. E acreditem: não se trata de simplesmente “contar” o tempo. Se trata de “viver”, semana a semana, com uma expectativa totalmente diferente de tudo o que já se viveu até então.

Há quem diga que é absolutamente normal uma mulher estar grávida e só descobrir a “mudança” quatro ou cinco meses depois. Eu diria que isso é papo pra novela das oito, porque desde o início de tudo, eu senti algo “diferente”.

Realmente não há como descrever com palavras. As mulheres que passaram por isso tem experiências próprias, sentimentos únicos, momentos mágicos. Cada uma se emociona ao seu tempo, na sua intensidade, na grande transformação que toma conta do ventre e vai preenchendo, semana a semana, a alma da gente.

Uma pena que os homens jamais terão qualquer noção do que acontece, embora sejam ótimos fantasiadores. E mesmo que uma mulher nunca venha a experimentar a sensação física, tenho certeza que ela sempre entenderá a mágica que existe, mesmo que apenas adote um ser humano. Gravidez é papo de mulher, está no nosso íntimo, até mesmo quando, por um motivo da natureza, não acontece.

É incrível como um sentimento, seja ele só de prazer, seja ele só de amor, ou seja ele de prazer e de amor, é plantado e vai crescendo em uma velocidade incrível, até aparecer um botãozinho, um feijãozinho, um serzinho.

Semana a semana é a contagem técnica da medicina, que começa bem antes da concepção propriamente dita, exatamente no primeiro dia da última menstruação da mulher. Na minha cabeça uma contagem maluca, pois seis semanas de gestação correspondem a duas primeiras semanas antes da concepção mais quatro após a concepção. Pra entender mais sobre isso, é só dar uma lida aqui.

Mas o legal da nossa globalização é que existem sites interessantes que te ajudam a compreender e a conhecer semana a semana da gestação. Por indicação de amigas me inscrevi em dois: a) BabyCenter; b) Guia do Bebê.

Nesses sites, dá para ter uma ideia da transformação semanal dentro do útero, dos próximos passos, entender outras mulheres no mesmo período, trocar experiências, mas a maior dica de todas que eu dou é a seguinte: compartilhe dúvidas, receba orientações e troque ideias com um profissional competente - o seu ou a sua médica. Ninguém mais, ninguém menos.

Assim que as pessoas ao seu redor souberem que estás grávida, esteja preparada. As transformações físicas e psíquicas internas são fantásticas, pois elas acontecem só pra ti e ninguém as julgará ou tomará conta delas, a não ser que tu as externes.

Contudo, são infinitas as dicas do que comer, de como dormir, de como se vestir, como cuidar dos seios, das estrias, evitar inchaços, blá blá blá. No mesmo dia, várias pessoas vão dizer coisas totalmente opostas, como se fossem verdades seladas. Não caias nessa. Apenas sorria e agradeça. Mais tarde, virão as histórias trágicas, porque o ser humano adora fazer uma tortura mental com os outros, principalmente com as pobres das grávidas.

Embora pareça que a gestação passe rápido, as coisas se desenvolvem em três grandes tempos: os trimestres.

O primeiro trimestre compreende o primeiro ao terceiro mês. Aqui, tem gente que tem cólica, sangramento e enjoo. Outras não tem nada e é uma fase gostosa, pois não há ainda o peso da barriga e a locomoção ainda é rápida. Mas há mais sede, fome e sono. Uma dica: hora de procurar uma nutricionista. Ninguém melhor do que essa profissional pra orientar sobre alguns alimentos, como café, chimarrão e chás, dos quais ouvimos infinitas histórias de que podem ou não podem ser consumidos.

O segundo trimestre compreende o terceiro ao sexto mês. Quem passou ilesa pela cólica, sangramento e enjoo continua vivendo uma fase gostosa, pois agora a barriguinha começa a ter forma e já dar pra se sentir “mãe-canguru”. Pode aparecer inchaço e a necessidade de não se dormir mais de bruços, pra quem curte essa posição. Tudo vai depender do tamanho da barriga. Uma dica: hora de procurar uma fisioterapeuta. Ninguém melhor do que essa profissional pra fazer uma drenagem linfática (é um tipo de massagem), pois a essa altura do campeonato o nosso corpo já sofreu grandes transformações, principalmente a postura e o eixo-corporal. Aqui a gente nota que não dominamos mais o nosso equilíbrio e o cuidado passa a ser maior, principalmente no trânsito.

O terceiro trimestre compreende o sexto ao nono mês. Fase sem qualquer glamour, pois o cansaço chega de uma hora pra outra, a barriga pesa, o ar começa a faltar, não temos mais roupa adequadas, mas não se desespere, pra tudo há uma solução. Uma dica: antes e durante a gravidez faça algum exercício físico, diretamente recomendado pelo(a) médico(a) que acompanha o pré-natal. Eu fiz até o nono mês caminhada, musculação e alongamento, sob orientação e supervisão médica e de educador físico.

Na verdade, a natureza é sábia e fantástica. Nada se desenvolve sem ser para o bem. Nada se cria sem um propósito. Não existem regras prontas, nem manual da boa gravidez. A vida vai assim, preenchendo as semanas, mostrando seus encantamentos, vai selando relações cósmicas, vai se comunicando pelo astral.

Às vezes não sabemos mais se um pensamento é nosso ou é “dele” ou “dela”. Às vezes não sabemos mais se o acelerar do coração é nosso ou é “dele” ou “dela”. Tudo se mistura, se materializa. E embora papo de gravidez seja coisa de mulher, nada se cria ou se desenvolve sem a presença do pai.

O certo é que quanto mais amor e harmonia houver entre o casal, quanto mais paz e tranquilidade houver durante a gestação, a natureza vai se encarregar dos pormenores, da hora certa, da chegada abençoada, e de todas as emoções que vão inundar o momento mágico do nascimento.

Se for pra engravidar, faça amor.

Fica a dica.