Parece
mentira, mas moro a umas seis quadras do mar, no litoral gaúcho, e
somente no último fim de semana pude, de fato, me esticar na areia,
tomar um banho de mar e limpar as impurezas de 2011 com muito sal
grosso.
Só
que cá pra nós, trabalho e praia não combinam. Pelo menos não com
pessoas neuróticas e perfeccionistas (like me), porque na mente dessas
pessoas uma chegadinha na beira da praia seria o mesmo que matar o
trabalho, ainda que isso ocorra fora do expediente, o que traria sérios conflitos mentais.
Ademais,
sobretudo e todavia, se banhar no litoral gaúcho é o mesmo que
entrar em uma piscina de leite com nescau, um verdadeiro “chocolate”.
Quem veraneia no litoral gaúcho ou lá mora sabe bem o que eu estou
falando. Sem falar no repuxo e nas ondas fortes que tornam o banho de
mar um verdadeiro “banho tcheco”. Desculpem, mas verdade seja
dita.
Plataforma Marítima de Tramandaí, RS, e o mar "chocolate" |
E
então me vi com saudades de uma certa tormenta que pegamos no Caribe
em outubro.
Desembarcamos
no aeroporto internacional de Cancun, na Península de Yucatán,
México, carregados de muambas provenientes de Miami e de Orlando,
cansados das longas caminhadas nos parques da Disney e da Universal
Studios e do decréscimo de nosso poderio econômico, e logo no
início fomos levados a um blá blá blá de passeios mais baratos,
time-sharing camuflado e, é claro, da chegada do furacão “Rina”
previsto para “aquela” semana.
Chegando
no hotel fomos muito bem recepcionados, todos sorrindo e gentis,
champagne liberada no hall de entrada, check in mais cedo, razão pela qual nem me
preocupei com o tal furacão, pois caso fosse “muito” sério, nem
teriam permitido que desembarcássemos lá. Certo?
Errado.
Cada
turno do dia um novo boletim espalhado pelos elevadores, hall de
entrada, restaurantes e corredores do hotel. Primeiro, Rina atacaria
a Ilha de Cozumel (daí nem cogitamos visitá-la, só por segurança),
causando transtornos em Cancun e no aeroporto, sendo que os hóspedes
deveriam entrar em contato com suas agências de turismo acerca da
possibilidade de troca de voos, pois o aeroporto em algum momento
iria fechar.
Nós
não ligamos pra ninguém, literalmente e metaforicamente falando.
Passou-se
o primeiro dia e aproveitamos para olhar aquele marzão verde-água,
parecia filme. Só faltava mesmo o Jack Sparrow passar por ali e dar
uma abanadinha, de sunga e protetor solar banana boat. No fim do dia
o tempo se fechou e no horizonte tudo ficou escuro...
No
segundo dia chuva o dia inteiro. Vento forte. Os empregados do hotel
forravam grandes janelas de vidro com tábuas de madeira e novos
boletins eram afixados nos lugares de fácil acesso. Um ar de
seriedade pousou em Cancun.
Rina a caminho |
caindo a ficha? |
Me dei o luxo de pagar um pacote no SPA do hotel com tudo o que eu tinha direito, afinal de contas, como diria o cirurgião plástico do Coringa: “se é pra ir, que seja com um sorriso no rosto”.
Saí do SPA me sentindo uma geleia de tão zen. Tinha esquecido por completo a
história do furacão, porque na minha cabeça aquilo tudo era só
“mídia”.
E
foi naquela noite que tivemos que acatar as regras do último boletim
de informações, que ao invés de prever um furação previa uma
tormenta, o que pra mim não fazia qualquer diferença, até perceber
que a tormenta chegaria com bem menos força e que só traria água e
vento forte, ao contrário do furacão, que traria vacas, carros,
hotéis, turistas e nativos voando pelos ares, como no filme Twister.
Assim,
nas doze badaladas notúrnicas tivemos que guardar todas as nossas
coisas nas malas, colocá-las dentro da banheira, fechar a porta do
banheiro, guardar documentos e passagens no cofre, vestir roupas
leves (abrigos travestidos de pijamas), não beber mais do que 4
(quatro) latinhas de cerveja por quarto (alguém acabou se dando bem
nessa parte) e levar travesseiros para o salão de eventos do hotel.
Nossa,
aquilo me chateou de tal maneira porque já estava quase entrando em
modo delta sono... jamais acordem uma leonina no meio da noite, ainda
mais para trocar de ninho (nem que seja por causa de um "furacão", ora bolas). Mesmo assim eu não achava que teríamos
que dormir fora do quarto, não via nenhuma necessidade pra isso. Eu
realmente não tinha a menor noção do que estava acontecendo, ou do
que podia acontecer.
Não
foi permitido chegar na parte externa do hotel e nem se quiséssemos
conseguiríamos, pois o vento e a chuva forte estavam em todos os
cantos, produzindo sons mais assustadores do que Jason em "Sexta-feira13".
Todos
os hóspedes foram alojados em pequenos colchões no salão de
eventos, mesinhas intercaladas com água e no hall de entrada uma
grande mesa com chás, cafés, biscoitos e outras guloseimas.
Depois
de colocarem pra tocar “Imagine”, do John Lenon, e de um
americano ao lado da gente comentar que com aquela música só
cortando os pulsos, foi hora de me entregar ao sono profundo, pois eu
já tinha visto tudo o que precisava para seguir adiante, fosse na
vida real, fosse em um plano espiritual superior. Cancun, mar
verde-água, furacão, resort com all inclusive, hóspedes alojados
no salão de eventos do hotel, barulhos assustadores do lado de
fora... ampf!
ao fundo dois seres humanos de capa de chuva amarela tentando cruzar o corredor |
o auge do Rina |
E
depois daquela noite surreal acordamos com o barulho dos funcionários
do hotel organizando o café da manhã no salão de eventos. Ao sair
do “abrigo”, a surpresa. Sem feridos, sem estragos.
Aí sim, férias merecidas.
Um
mar de verdade.
Chocolate
só em barra, pra saborear depois da janta.
Um comentário:
Hahaha! Bah! Imagine!? Tá louco!
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