quinta-feira, julho 17, 2008

Indiana Jones e a cerâmica de marajoara





Tinha tudo para ser uma quinta-feira como outra qualquer, a não ser pelo fato de que ela queria dormir um pouquinho mais e tinha que fazer uma ligação telefônica para os Estados Unidos.

Como de costume, e por ser um dos seus hobbies favoritos, ela se levantou e foi logo iniciando uma faxina na casa, depois de tomar seu café da manhã.
Lavou a louça do café, tirou o pó de seus poucos móveis, comprados com o fruto de seu trabalho, e varreu a casa, preparando o chão para o pano molhado.

Ela arredou a cama, equilibrou as cadeiras em cima do sofá e lá se foi, passando o pano aqui e acolá, ao som de Norah Jones, permitindo que seus pensamentos viajassem livres pelos arredores da casa.

Porém, aquela aparente tranqüilidade estava com os minutos contatos... assim que começou a passar o pano, percebeu que o pó ainda existente no chão começou, freneticamente, a se enrolar no próprio pano, ora ficando nos cantos das paredes, ora se desenrolando no chão...

Aquela situação de sujeira vem, sujeira vai, começou a irritá-la profundamente e, num momento de fúria, ela lançou o rodo com toda força no chão, no intuito de se livrar daquela poeira molhada, mas sem querer empurrou a mesa, que equilibrava um belo vaso de cerâmica de marajoara...

Naquele instante, foi como se o Indiana Jones tivesse tomado conta de seu espírito, e ao som do tã tã tã rã, tã tã tã, tã tã rã tã tã tã, ela empregou todos os seus esforços em direção ao vaso, que estava prestes a cair no chão e se quebrar em mil pedacinhos.

Durante a tentativa de chegar ao outro lado da mesa e salvar a cerâmica de marajoara, eis que ela escorregou no chão molhado, tropeçou o cotovelo esquerdo na mesa e, quando já não tinha mais esperanças de salvar aquela relíquia, adquiriu forças sobrenaturais e, enfim, agarrou com toda a proesa de uma aventureira, aquele patrimônio histórico e cultural, recentemente trazido do Pará.

Com o vaso - e o coração - na mão, respiração ofegante, chão molhado, cotovelo latejando, ela pensa: “definitivamente colocarei em pauta a possibilidade de contratar uma faxineira, caso contrário, irei ligar para o George Lucas e ver se tem lugar pra mim no Indiana Jones 5”.


E chega de emoções fortes por hoje.

sexta-feira, julho 11, 2008

Satiagraha, Gandhi & George Orwell

O artigo abaixo, de autoria de Douglas Fischer, Procurador Regional da República na 4ª Região (Porto Alegre), sob o título "George Orwell salvou Dantas?", trata da decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou a soltura do banqueiro Daniel Dantas.

Manhã do dia 10 de julho de 2008. Manchete do jornal: “Supremo manda polícia soltar banqueiro Dantas”. Voltarei ao tema. Preciso antes compartilhar outros fatos com o leitor.
Atuando num processo ano passado, com réu condenado, vi uma colega Procuradora da República recorrendo para absolver um réu acusado de pequeno tráfico de entorpecentes (ela o havia denunciado, mas concluiu não haver provas para a condenação no curso da ação). Sim, leitor, o MP deve atuar em favor do réu também se assim entender. É o que determina a Constituição. Dei parecer favorável. A condenação foi mantida.

Não discuto aqui a decisão que manteve a condenação: há se respeitar o entendimento do Poder Judiciário. Mas eu recorri a favor do réu ao STJ. O recurso foi admitido. Contudo, demora. Como demora. Porque ainda preso o réu, resolvi entrar também com um habeas corpus a favor dele no STJ (sim, leitor, o MP também pode entrar com habeas corpus a favor de réu para beneficiá-lo).

Eu entendia que sua prisão (já há quase 2 anos) não tinha fundamento jurídico (até porque o MP recorrera pedindo sua absolvição). A liminar foi indeferida. Passaram-se mais alguns meses.

No interregno, Natal, final de ano, férias, praia para alguns. Para outros, sol – quando muito – “quadrado”. Invocando precedente do próprio STF (aquele que serviu para a soltura de Flávio Maluf e, depois, de seu pai, Paulo), “ousei” impetrar um novo habeas corpus, agora no STF. Isso já era março de 2008. Havia pedido liminar para a soltura do réu. Nada. Pedi novamente a concessão da liminar. Nada. Em 20 de junho (mais de três meses depois) sai finalmente a decisão do relator: o habeas corpus é indeferido de plano. O argumento: não haveria a flagrante ilegalidade e o outro hábeas, aquele perante o STJ, estaria para ser julgado em breve. Ah, bom!

Daniel Dantas havia ajuizado um habeas corpus contra a investigação que se fazia contra ele no TRF em São Paulo. Queria um salvo-conduto, como se fala no juridiquês. Não ganhou a liminar. Impetrou outro habeas no STJ. Não ganhou novamente a liminar. Foi ao STF. Mais uma vez, liminar indeferida. Aí vem sua prisão temporária, que o levou para o cárcere dois dias atrás.

Atente-se: o fundamento era novo porque havia um fato novo, que não era objeto do habeas então ajuizado. Em vez de impetrar (como seria o correto) novo habeas corpus no TRF em São Paulo, atacando a decisão do juiz que decretou sua prisão (art. 108, I, “d”, da Constituição), foi “direto” ao STF, pedindo ampliação do pedido do habeas que lá estava. Não podia. Hipótese “per saltum”, como também dito no juridiquês. Mas a liminar foi deferida, pouco mais de 24 horas depois da prisão.

Está solto, diz a manchete do jornal. Não há espaço para contra-argumentar o equívoco, em meu modesto juízo, da soltura de Dantas. Não contesto também, nem indiretamente (que fique em claro), a honorabilidade de quem o soltou. Longe disso.

Mas quem talvez não deva estar entendendo nada é aquele preso para quem impetrei os habeas corpus e que continua preso se souber da manchete dos jornais de hoje.

Diante de tudo, lembro de um dos mandamentos da sátira de George Orwel em sua Revolução dos Bichos: “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros”.

Satiagraha (nome da Operação) define a linha de ação de Gandhi na sua luta pela independência da Índia (Gandhi e Orwell eram indianos, por coincidência).

Dantas é grato a seus advogados, certamente. Mas a estas alturas, por paradoxal que seja, já deve estar acendendo velas para George Orwell. Isso se o vento que corre solto no alto de sua cobertura na beira-mar do Rio de Janeiro permitir.


(Obs.: os verdadeiros parques de diversões no Brasil ficam em Brasília?)

quinta-feira, julho 10, 2008

A Disneylândia e os três patetas

Para os adolescentes, viajar com o papai e a mamãe pode ser uma tarefa árdua, chata e cansativa, pois na cabeça deles é um tempo perdido que poderia estar sendo gasto com os amigos ou, na melhor das hipóteses, com a internet.

No meu caso (tudo bem, já não sou mais adolescente, mas faz bem pouquinho tempo), viajar ao lado do Avo e da Beth é sempre uma aventura inusitada, repleta de gargalhadas e gafes, das quais eu não me privo por nada nesse mundo. É como estar contracenando no “Toma-lá-da-cá”, ou revivendo os melhores momentos do “Sai de Baixo” e da “Família Buscapé”.

E foi numa dessas comitivas familiares, em busca do visto americano, que eu, o Avo e a Beth nos deparamos com uma verdadeira Disneylândia em plena São Paulo, dentro do Consulado Americano.

Mas não, não encontramos Mickey Mouse, a Minnie ou a Cinderela cantarolando e caminhando dentre os mil e quinhentos brasileiros que passam diariamente pelo consulado, ansiosos por um “ok, you can pass”. Estávamos nós lá, os três patetas, gastando uma fortuna com passagem aérea, hotel e táxi, tudo para reviver o sonho brasileiro de passear pelos Estados Unidos novamente, algum dia desses.

O fato que nos comoveu em risos é que, quem conhece os parques da Disney, sabe que os seus corredores com vastos corrimões são hiper organizados com setas indicativas pintadas de amarelo no chão (nem cego se perde por lá), câmeras filmadoras por toda parte, guichês com vidros à prova de balas (lembrando que os maiores maníacos do mundo são americanos) e potentes microfones, atendentes very well qualificados e a certeza de que no final tudo se resume a um lanchinho no McDonald´s - ou seja, com exceção da inexistência de um point do Mc dentro do consulado, todo o resto é igualzinho aos parques da Disney, inclusive a sua participação (em dólar), toda especial...

Por outro lado, quem for ao Consulado Americano de São Paulo vai perceber que lá a hora marcada é respeitada, a fila é organizada de forma que cada um vai pulando de banquinho em banquinho até chegar a sua vez de ser chamado, num espaço freneticamente organizado para alocar muitas e muitas pessoas, mesmo que à primeira vista pareça que só cabem 20 pessoas. Mas como a movimentação diária é grande (em torno de 1500 pessoas por dia) e são apenas 87 funcionários no total (sendo que nem todos atendem ao público), prepare-se para iniciar a leitura dos famosos volumes de J. R. R. Tokien, J. K. Rowling, etc., ou se aventurar pelo maravilhoso mundo brasileiro, daqueles que sempre encontram um jeitinho de correr na frente dos outros e ainda reclamam da fila.

Dica: se tiver algum idoso na sua família, ou seja, alguém com mais de 60 anos, faça o pedido de visto em grupo familiar (todos da família são atendidos em conjunto), pois os idosos possuem preferência e lá isso é muito respeitado.

O mais divertido mesmo dessa aventura até o consulado foi a tentativa frustada, minha e do Avo, de conter as gafes da Beth em frente ao atendente americano.
Quem poderia imaginar que agora as digitais são colhidas de forma eletrônica e não mais com as pontas dos dedos pintadas? Ou seja, existe uma máquina em que tu deslizas os teus dedos e pressiona as pontas, quando então todas as luzinhas piscam, indicando que as tuas digitais foram “scaneadas”. Se uma das pontas dos dedos não está pressionada de acordo, uma das luzes não se acende, indicando que os mesmos devem ser pressionados novamente.

Eu e o Avo, prevendo que ficaríamos horas se a Beth fosse a primeira a “scanear” as digitais, a deixamos, propositadamente, para o fim da nossa fila privada (já que estávamos em grupo familiar).
Pois não é que o atendente chama ela primeiro...

Óh céus!

Eu e o Avo, depois de passarmos 2h explicando o funcionamento tecnológico da coisa (enquanto estávamos sentadinhos, aguardando sermos chamados), passamos por mais essa: quinze longos e demorados minutos, de muita tensão e riso contido (já que não podíamos, simplesmente, cair na gargalhada em frente ao atendente americano, o qual poderia não nos conceder o visto por debilóidice).


Enfim, nada como viajar com o Avo e Beth e conhecer o mundo fantástico das gargalhadas sem limites e das gafes, agora também internacionais!