segunda-feira, outubro 28, 2002


... e nada melhor que uma prece alla Martha Medeiros para começar a semana...

UMA PRECE

"Senhor.
Desculpe a audácia.
Me disseram que a gente deve rezar apenas para agradecer, e eou a primeira da fila das agradecidas, só tenho obrigada a dizer, mas não estou aqui pra falar de mim, deixe eu sentar aí do seu lado e me conceda dois minutos.
Olhe pra baixo. O que o senhor vê? Delicadeza sua, não é um país. É uma tentativa de ser um país. Por isso lhe peço, me escute, é uma prece, ainda que eu não seja muito boa nisso.
Pessoas querem fazer cinema e teatro e não conseguem patrocínio. Pequenas empresas pagam tantos impostos que não conseguem sobreviver e muito menos gerar emprego. O salário mínimo é tão mínimo que as pessoas não conseguem comprar comida, o que dirá livros. Não comprando, divertem-se com o que mostra a televisão, e nem se dão conta do quão vulgar é o que se mostra, a grossura está cada vez mais difundida como "espontaneidade" e o pessoal acaba se identificando. O país está de joelhos.
Mas é tudo gente boa, é preciso admitir. Excetuando-se aqueles que metem a mão no bolso alheio, o resto é do bem, só que é difícil se mantes do bem quando a mãe tem que sair pra trabalhar e não tem onde deixar os filhos, quando o pai bebe pra esquecer todos os sonhos abortados e acaba descontando nos moleques de casa, batendo mesmo. Os moleques não aguentam, senhor. A gente cruza com ele todo dia na rua, é de dar dó. Só dá raiva quando eles nos assaltam e matam, aí a gente esquece de onde eles vieram e fica muito revoltado, a gente está envelhecendo com medo, e o medo devora por dentro. Está neste pé a coisa.
Senhor.
O que peço é simples: que se pare de pensar só em grana e que se reavalie o conceito de luxo.
Luxo é manter uma certa dignidade, não entrar em esquema, não expor a própria intimidade, ter tempo pro ócio e aproximar-se da poesia, não só a que é feita de versos impressos, mas da poesia que tem na vida, abundante.
Luxo é ter amigos e não comparsas, é dormir sem dívida financeira ou existencial, luxo é poder rir, trabalhar, tomar um banho quente, comer um pão saído do forno e contar com pelo menos uma pessoa que vai amar você e ficar do seu lado apesar de todas as burradas que você faz.
Senhor.
Salve-nos dessa esquizofrenia antes que ela seja eterna, mande o pessoal desajoelhar e se erguer."




E eu continuo sem saber porque as pessoas insistem em serem idiotas e sem consideração com os outros... vai saber... ainda ontem estava vendo o final do filme que estava passando na Globo (sabem como é, domingo a tarde de plantão no IML, só me resta a TV ou um bom livro) - O AUTO DA COMPADECIDA - e, pra não me estender em comentários exagerados, no final do filme Nossa Senhora aparece para salvar os pecadores do inferno e, para defendê-los, diz a Jesus que os homens não sabem o que fazem pois são tomados pelo medo do sofrimento e pelo medo da morte. Mas é aquela velha história: estamos num mundo imperfeito e iremos sofrer de QUALQUER MANEIRA. O que vai diferenciar os sofrimentos é a maneira como vamos recebê-los e encará-los.

"Por medo de chorar deixamos de sorrir"

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